Interações entre Plantas e Medicamentos

Interações entre Plantas e Medicamentos
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Nos últimos anos o interesse pelas plantas medicinais e seus usos terapêuticos tem sido crescente. A constatação dos efeitos secundários dos medicamentos de síntese, o aparecimento de resistências, as dificuldades inerentes ao funcionamento do sistema de saúde e a atitude mais proativa dos utentes perante a sua medicação levou à procura de tratamentos menos agressivos ou complementares da terapêutica convencional. Mas este uso crescente não tem sido sustentado em bases científicas sólidas, dado que muitas vezes os produtos à base de plantas chegam ao mercado sob a forma de suplementos alimentares, alimentos enriquecidos, infusões, entre outros e não de medicamentos à base de plantas, ou seja, sem um apertado controlo de qualidade e eficácia característico dos medicamentos.

O comércio global e a facilidade de aquisição de produtos e obtenção de informação através da web têm levado a um uso indiscriminado dos produtos à base de plantas.

Muitas vezes tem sido descurada a vigilância destes produtos, dada a crença popular “o que é natural é bom”. Nessa velha máxima os produtos são usados em concomitância com os medicamentos de síntese sem qualquer precaução relativamente ao risco do seu uso conjunto. Alguns estudos têm comprovado estas interações, quer sejam estudos in vivo, in vitro, casos clínicos, relatos de casos, entre outros. Mas a falta de padronização dos produtos e das amostras usadas tornam difícil determinar a extensão e amplitude destas interações ou reações adversas. Ou seja, os dados evidenciam as potenciais interações, mas não determinam a sua amplitude.  Dos vários fatores que podem afetar a padronização dos produtos referem-se:

  • Diferentes processos de cultura, colheita e processamento (luz, temperatura e humidade)
  • Quimiotipo usado (populações morfologicamente idênticas, mas quimicamente diferentes, dentro de uma dada espécie, indicando a presença de fenótipos semelhantes, mas diferentes genótipos, levando a diferentes composições químicas)
  • Partes da planta usadas
  • Método de extração dos componentes
  • Complexidade da composição (são compostas por múltiplos princípios ativos)
  • Presença de contaminantes ou adulterantes.

Todas estas variantes tornam difícil o estabelecimento de critérios de qualidade e padronização dos produtos à base de plantas assim como a comparação de resultados dos diferentes métodos de estudo das interações.

As interações planta /medicamento podem ser do tipo farmacodinâmico ou farmacocinético. As primeiras resultam do facto dos produtos naturais se ligarem aos mesmo recetores que os fármacos, levando a um efeito sinérgico, aditivo ou antagónico. As alterações farmacocinéticas resultam da interferência a nível da cinética do medicamento, quer na absorção, distribuição, metabolismo e eliminação. A alteração no metabolismo é dentro das alterações farmacocinéticas a mais comum, pela indução ou inibição do CYP 450. A indução enzimática particularmente do CYP 450 leva a um aumento do metabolismo, provocando um decréscimo da concentração da molécula original e um aumento dos seus metabolitos, diminuindo assim a sua atividade exceto no caso dos pró fármacos. O efeito inverso ocorre no caso de inibição enzimática.

Muitas plantas têm capacidade de induzir ou inibir estes sistemas enzimáticos, levando a alterações da concentração terapêutica dos fármacos administrados, produzindo concentrações subterapêuticas ou tóxicas.

O recetor X dos preganos é o principal membro da família dos recetores nucleares e está envolvido na maioria das interações planta medicamento de carater indutivo, pela sua regulação da expressão genética de muitas isoenzimas do CYP450.

 A alteração nos transportadores, principalmente a glicoproteína-P nos intestinos, quer pela sua indução ou inibição é também um processo comum. As proteínas de efluxo são transportadores com um papel muito importante na absorção e eliminação dos medicamentos. A glicoproteína-P é a mais estudada, está expressa em muitos locais do organismo, mas mais concentrada nos canículos biliares, tubos proximais do rim, ductos pancreáticos, intestino delgado, colon e glândulas adrenais. Assim a modulação da glicoproteína-P pelo uso de plantas terá implicações na farmacocinética dos fármacos. Outras alterações pelo consumo destes produtos podem ainda ocorrer, tais como, alterações no PH, alteração do esvaziamento gástrico, complexação ou quelação dos fármacos, alterações a nível renal (na reabsorção, secreção ou filtração glomerular), entre outras.

Acresce ainda   o facto dos doentes omitirem com muita frequência aos profissionais de saúde que os acompanham a toma deste tipo de produtos podendo levar a implicações potencialmente perigosas ou mesmo fatais, principalmente no caso de doentes polimedicados, doentes crónicos, doentes oncológicos ou medicados com terapêuticas com janelas terapêuticas muito estreitas (pois uma ligeira alteração na concentração plasmática destes fármacos pode levar a alterações significativas do seu efeito terapêutico ou tornarem-se mesmo tóxicos).

Assim o facto de não haver registo do consumo destes produtos nos ficheiros clínicos ou no acompanhamento dos doentes, levam a que sejam menosprezadas ou desconhecidas muitas destas interações quer pelos profissionais de saúde quer pelo próprio doente.

 O desenvolvimento de estudos sobre estas interações e seus riscos tornou-se assim premente. O farmacêutico como técnico do medicamento é o especialista com conhecimentos sobre as plantas e seus usos assim como dos medicamentos de síntese. Desempenha assim um papel de charneira entre estes dois tipos de terapêuticas. 

O farmacêutico de oficina pelo seu contato próximo com o utente pode assim assumir um papel essencial na educação/informação destas interações, através de informação cabalmente estabelecida em estudos clínicos bem desenhados, relato de casos que atinjam o grau de possível e provável ou casos em que a evidência in vivo sugira uma forte interação. Não tomando uma atitude alarmista mas sim de informação baseado em dados concretos. Num estudo realizado em farmácia comunitária, onde foram inquiridos 216 utentes, da totalidade dos inquiridos, 51% consome medicamentos diariamente e 15% destes inquiridos que fazem medicação crónica tomam produtos à base de plantas também diariamente. Foram determinadas 20 interações possíveis neste subgrupo de inquiridos (de realçar que este mesmo estudo focou-se essencialmente na terapêutica da dislipidemia e hipertensão, ou seja se avaliadas em conjunto outras terapêuticas este número de possíveis interações poderia ser ainda mais relevante).

Numa altura em que se discute a criação de novos serviços farmacêuticos, como a consulta de revisão da terapêutica e o acompanhamento de doentes crónicos e polimedicados, os dados obtidos neste estudo demonstram que o farmacêutico pode desempenhar um papel importantíssimo na deteção destas interações.

 

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